A psicopatia ou transtorno de personalidade antissocial é um dos transtornos mais devastadores que existem. Seu prejuízo se direciona, sobretudo, aos que estão próximos e que são alvos do psicopata. Seu comportamento caracteriza-se principalmente por uma propensão à desinibição, comportamento impulsivo somado à insensibilidade emocional e não percepção das consequências de seu comportamento sobre outros indivíduos (Checkley, 1941).
Uma conclusão um tanto pessimista a qual vários estudos vem chegado é que o quadro não é revertido nem atenuado através do engajamento em terapia. Muitas vezes, ainda, os psicopatas podem se valer do discurso aprendido com o terapeuta para incrementar ainda mais suas mentiras e engodos (Garrido, 1995; Seto, 1999).
Isso indica que a necessidade de estudos na área é grande, já que a elucidação do funcionamento e das causas da psicopatia ainda não estão claros o bastante. Nesse panorama, pensando em outros transtornos também, os estudos neurológicos possibilitados pela atual tecnologia vem acrescentando muito ao corpo teórico de psicólogos e psiquiatras.
A biologia do psicopata
Esses estudos vem sugerindo que a psicopatia, de fato, possui um substrato neural caraterístico (Blair, 2006; Kiehl, 2006) e também um forte componente hereditário (Larsson, 2006).
Os estudos do cérebro desses sujeitos antissociais acrescentam muito aos modelos teóricos que explicam o transtorno, mas mesmo com essas evidências, a complexidade delas acaba guiando os estudos a várias conclusões diferentes – e complementares em muitos casos – sobre a sua causa. Entre as inúmeras teorias, destacarei as dos já citados Blair e Kiehl (Para ter um panorama geral dos outros modelos, ver Anderson & Kiehl, 2012).
A participação da amígdala
Blair enfatiza bastante a participação da amígdala no comportamento. Esta é uma estrutura que se localiza no sistema límbico do cérebro, área mais antiga evolutivamente falando e que se relaciona com respostas bem primitivas do organismo, no que tange à sobrevivência.
Como já foi mencionado em outros artigos no Ibralc, o medo é uma emoção intimamente ligada à essa região, relacionando-se às respostas do organismo frente a estímulos ambientais ameaçadores. Também está relacionada à expressão de outras emoções.
Exames de ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês) vêm mostrando que realmente há um funcionamento anormal na hemodinâmica da amígdala (Kiehl, 2001). Ao que tudo indica, a estrutura no cérebro dos psicopatas funciona diferente numa série de situações.
Foi relatado, por exemplo, num estudo, que a amígdala possui uma ativação muito inferior ao nível normal quando esses indivíduos visualizam imagens que indicam violação de regras morais (Harenski, 2010) ou mesmo de imagens chocantes, como amputações (Harenski, 2009).
No que concerne às expressões faciais, o mesmo ocorre. Num estudo de 2009, por exemplo, Dolan demonstrou que, através da fMRI, indivíduos que se encaixam no critério para a psicopatia revelam uma expressão amigdalítica muito mais baixa que a do grupo controle ao observar expressões faciais de medo.
Boccardi (2011) ano passado teve um estudo publicado, no qual encontrou indícios de que essa baixa expressão da estrutura estaria relacionada à reduzidos níveis de massa cinzenta no local; em outras palavras, a região basolateral da estrutura teria um tamanho significativamente diminuído nos indivíduos estudados, o que resultava em déficits em seu funcionamento.
O curioso – e coerente com outros estudos na área – é que o núcleo basolateral é exatamente a área que mantém conexões com o córtex orbitofrontal, no córtex pré-frontal. Estima-se, atualmente, que a interação entre as duas áreas esteja relacionada à “atualização” do reforço de certos comportamentos relacionados à detecção de ameaças (Phelps & LeDoux, 2005).
O córtex pré-frontal – O que nos torna humanos
Outra área que tem destaque na condição da psicopatia é o córtex pré-frontal. Essa região localiza-se bem atrás da nossa testa e olhos, e está relacionada à uma diversidade de comportamentos tipicamente humanos: tomada de decisão, controle de impulsos (e emoções), racionalidade (apesar de não ser somente essa região ativadas nesses momentos) e etc.
Antes de ferramentas de alta tecnologia serem disponibilizadas para experimentos científicos, já cogitava-se fortemente a hipótese de esse local estar relacionado aos comportamentos dos psicopatas pelo fato de lesões resultarem em comportamentos impulsivos semelhantes aos desses indivíduos (Anderson et al, 2000).
Um caso clássico na literatura médica é o do mineiro Phineas Gage, que ao socar uma barra de ferro contra um buraco cheio de pedras e pólvora – era assim que se abriam minas para se explorar metais preciosos e carvão, no século XIX – teve a ferramenta arremessada contra seu rosto, perfurando um dos olhos e o córtex pre-frontal, consequentemente.
A partir desse dia, Gage nunca mais foi o mesmo. De trabalhador exemplar em comportamento, disciplina e eficiência, passou a ser preguiçoso, relaxado, desbocado e desrespeitoso. Na vida conjugal, de marido fiel e atencioso, virou um relapso parceiro, que traía a esposa e dava em cima de todas as mulheres que via.
Podemos dizer com alto grau de certeza que a lesão prejudicou a capacidade de inibir impulso, tornando o homem alguém totalmente diferente do que era antes. E é exatamente esse o comportamento típico dos psicopatas, apesar de haver um espectro nos níveis de falta de controle sobre os impulsos, claro.
De forma muito interessante, um estudo Koenigs e seus colegas, em 2007, revelou que uma área específica do córtex pré-frontal está especialmente afetada no transtorno: a porção ventromedial. Essa região, segundo o estudo, está relacionada com as decisões morais utilitaristas (Bentham, 2004).
De forma simplificada, essa filosofia moral baseia-se na princípio de que qualquer ato moral deve ser definido como tal baseado na consequência do mesmo, isto é, sacrificando um em nome de dois, por exemplo. E essa moralidade fria e calculista está bem presente na mentalidade dos psicopatas, bem mais racionais que “emotivos”, digamos assim.
Nesse momento, o leitor deve estar se perguntando: “Mas por que essas informações são importantes? Para que servem?” Bom, primeiramente, eu diria que essa é uma pergunta comum, mas que não leva em conta o fato de que um conhecimento aparentemente inútil hoje pode ser básico amanhã.
Mas, nem de longe essas informações são inúteis. Como já dei dicas ao longo do texto, tais trabalhos ajudam a compor o corpo teórico e experimental fundamental para a melhor compreensão da psicopatia e, consequentemente, chegarmos mais perto de uma intervenção terapêutica efetiva.
Por outro lado, ainda, podemos mais uma vez nos maravilharmos com a complexidade do comportamento humano e com o inescapável diálogo entre biologia e ontogênese, que é essencial para compreendermos de forma rica como se dá a linguagem não-verbal, principalmente no que concerne às expressões faciais.
https://www.youtube.com/watch?v=T1zg5qeLu-4
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